“E com uma espada cravejada de joias ele conquistou uma
nação”. Que péssima história para ser contada. Já imaginou uma espada de joias
brilhantes matando inimigos, tirando sangue do bucho de alguém? Seria terrível!
Ainda bem que Cornwell nos mostra que a história (e não falo de romances, mas
de História) é repleta de coisas terríveis, como exércitos fedorentos, cansados,
bêbados que adentram território hostil, enfrentam barreiras naturais e algumas
feitas pelos homens, atingem outros exércitos igualmente fedorentos, cansados e
bêbados que tropeçam nas tripas, vômitos e sangue, muito sangue, para
conquistar, mesmo que momentaneamente, terra. Com a terra conquistada vem o
poder, acrescido de direitos, como o de vender escravos, estuprar, pegar os
bens dos mortos e dos vivos restantes, e prata, toda e qualquer prata que se
consiga pilhar. Não existia, mas imagino como seria a propaganda para o
recrutamento militar (os homens não serviam exército, eles os eram, não
interessa como, ou o homem ia para a batalha ou a batalha ia para ele, de
qualquer forma, mesmo pela barriga, através da ponta da espada. A lição 1, “a
ponta da espada deve ser espetada no inimigo”, muitas vezes já era aprendida
quando se estava morto).
Voltando ao assunto, a propaganda seria algo como “venha
para os exércitos dinamarqueses, vamos foder as mulheres dos saxões, pilhar sua
prata e mijar no deus pregado enquanto queimamos suas construções, seus navios
imprestáveis, fazemos escravos e tomamos suas terras, não necessariamente nesta
ordem, mas repetidamente todos os dias, vai ser uma festa!”.
Já a propaganda dos saxões seria diferente, repleta de
ordens para proteger sua família, em nome de Jesus e todos os santos,
independente de serem saxões, nortumbrianos, mércios, anglos e de Gales, ou de
Roma, ou de terras que ninguém fazia ideia de onde ficavam, mas isso não
interessava, desde que fosse defendida, assim se pagava os pecados e teria redenção, tudo terminando em “amém”.
Nos sete volumes que li no segundo semestre de 2014 das
Crônicas Saxônicas, vi, sonhei, imaginei inúmeros conflitos. Vi o início de uma
nação, a destruição de outras, a construção de um país, a formação de uma
língua ou dialetos, mudança de outros, invasões, contribuições, a Inglaterra surgindo
ao passo que era destruída, o cristianismo como religião dominante, expulsando
muita cultura, absorvendo algumas crendices, jogo de interesses, sucessão de
reis, guerreiros atolados nas vísceras dos inimigos, das suas também, tanta
informação que fica difícil exprimir o que ficou de tudo em algumas palavras.
Acho até que muitas coisas estarão comigo em sentimentos, em situações que não
são possíveis de tradução ou de expressão através de palavras. Talvez fiquem só
no modo de agir (não, não é a pilhagem, venda de escravos e todo o mais, mas de
ver as coisas, sendo que nada vem de graça, tudo tem um propósito, mesmo que
não seja visível).
Ainda não acabou, falta um volume, quem sabe dois, para que
Bernard Cornwell termine a saga de Uhtred, o Guerreiro Pagão, Uhtred de
Bebbanburg, o teimoso, o terrível, Uhtred Uhtredson, mas que tinha outro
nome, Uhtred Ragnarson, o filho do dinamarquês de assassinou seu pai biológico
e o tomou para si, Uhtred, duas vezes batizado, mas banhado na glória da batalha,
esposo de muitas, pai de alguns, devoto de vários, encarcerado por um castelo,
mas não o seu, aquele que lhe foi tomado por seu tio e mantido pelo primo, o
castelo que falo é o do desejo de formar uma nação, de uma Inglaterra, sonhada
por Alfredo e que é tão forte que o faz matar os semelhantes, ser zombado e
expulso por aqueles que deveriam exaltá-lo, mas que mesmo assim ele não
abandona. Essa é a história de um guerreiro, preso na masmorra de um castelo
imaginário, mas pronto para existir.
wyrd biõ ful ãræd