segunda-feira, fevereiro 20, 2017

Fahrenheit 451 - Ray Bradbury

Quando Ray Bradbury nos deixou, em 2012, eu estava na faculdade (pela segunda vez). Ouvi de alguns professores (cursava Relações Públicas) que este romance foi um marco em suas adolescências e que os motivou a cursar comunicação, ainda que não tivessem percebido isso no momento, somente algum tempo depois de estarem cursando.
Decidi ler a obra em 2017, embora tenha comprado o exemplar em dezembro de 2016. Encontrei muitos diálogos interessantes, monólogos também, confusões de um personagem que não sabia exatamente o que estava fazendo com o mundo, mas que havia percebido que a bolha que o envolvia desapareceu. Como alguém que acorda de um pesadelo, mas que não consegue contar a ninguém o que estava acontecendo, pois ninguém acreditaria, e pior, o levariam à morte caso mantivesse o discurso inflamado sobre a realidade. Viver de sonhos é bem melhor para muitas pessoas.
O que ocorre com Guy Montag, bombeiro queima livros, é ver-se como vilão em um mundo em que as pessoas não mais questionam as ordens dadas. Não há criticidade, tudo ocorre na velocidade máxima, como os carros numa freeway. Para isso, os livros foram abolidos do universo em que os personagens vivem. E essa é a nova função dos bombeiros, queimar os livros.
O quanto somos influenciados pelas ordens dadas pelos governos? Quanto respeitamos a autoridade? Quando agimos pelo medo estamos realmente obedecendo aquilo que é o certo ou só o fazemos para não sofrermos represálias? A sociedade da qual fazemos parte tem consciência do mundo ou age automaticamente, um dia após o outro?
Nesse universo em que não podemos ler o que mais ressalta o autor é o fato de não questionarmos. Os personagem tomam pílulas e mais pílulas para não sentir qualquer sintoma. É o hedonismo em forma de remédios. A televisão do tamanho da parede (ou é a própria parede), as conchas nos ouvidos para ouvirem aquilo que são determinados a ouvir, os demais aparelhos tecnológicos são mais psicológicos que qualquer coisa. Um grande apelo vem de um personagem já idoso e que se queixa, em uma das conversas com Montag, sobre ter deixado que tudo isso acontecesse, pois viu a mudança acontecer, mas nada fez para impedi-la.
Deixando Fahrenheit 451 de lado (Bradbury escreveu no início da Guerra Fria essa obra) a realidade de 2017 são grupos e mais grupos de indivíduos que compartilham de algumas semelhanças ideológicas e que buscam provar seus pontos de vista, sem medo de agredir verbalmente quem quer que seja. Não se colocam no lugar do outro, que também é um humano, cheio de ansiedade, dúvidas, questões nunca resolvidas, que busca se afirmar como ser, alguns mais outros menos. Ninguém consegue estar totalmente correto. Não acredito que a verdade seja escrita por apenas uma mão. Há quem acredite. Em todo caso, convivemos todos no mesmo mundo, e as divergências nunca vão parar por aí. A tolerância precisa ser desenvolvida. Muitos jovens desse mundo ocidental não sabem o que é guerra. Confundem violência com guerra. Guerra não tem equivalente, mas muitos agem em favor dela, buscam, com palavras e atos, incitar essa situação. Quando podemos pensar, quando podemos racionalizar nossos atos, vemos que a guerra é contra o que buscamos, tanto faz o lado de que se esteja. Não são os livros que vão nos dizer o que devemos fazer, mas o próprio pensamento, pensar antes de agir. É bonito ler sobre a guerra. Não é nada bonito estar nela.
A humanidade sobreviveu e se desenvolveu sem livros também. O que Bradbury nos conta é que temos que pensar por conta, não pegar tudo mastigadinho e sair por aí vivendo alienadamente.
Valeu muito a pena ler esta obra. Antes que alguém a proíba. Ou que fique no esquecimento. Ou vire combustível de uma fogueira de refugiados da próxima guerra.