terça-feira, abril 11, 2017

O Herege (A Busca do Graal) - Bernard Cornwell

A busca pelo Graal finalmente chega ao fim. Este é o último volume da obra A Busca do Graal,  dividida em 3 livros. O Herege finaliza a história que tem Thomas de Hookton como protagonista. O jovem arqueiro inglês, de origem francesa e nobre, porém filho bastardo e pobre de um padre que roubou e fugiu de sua família, migrando para a Inglaterra, consegue atingir alguns de seus objetivos, ao passo que o cavaleiro da peste adentra a Europa em 1347.
Como já mencionado, a Guerra dos Cem Anos é o pano de fundo para a história. A Inglaterra faz incursões na França, e graças às táticas de guerra e também aos arqueiros ingleses (as armas de fogo eram terrivelmente ruins, caras e pouco eficazes) que eram o terror de seus adversários, avançam em muitos lugares. Thomas, junto de seu amigo Robbie, o escocês, e de Sir Guillaume, leva seu grupo de homens para o interior da França. A ideia é chamar a atenção de seu primo Guy Vexille. Mas até que isso acontecesse, ele salva uma mulher da fogueira, perde a confiança de seu amigo Robbie, é afastado de seu bando e se eu continuar a escrever perderá a graça.
O que podemos tomar como base é a descrição da peste negra que assolou o mundo a partir de 1347. Vinda da ásia, a peste até hoje não foi bem esclarecida. A principal ideia é que as pulgas presentes nos ratos carregavam a bactéria, atingindo os seres humanos através da picada destas pulgas. As camas eram feitas de palha, local onde os ratos se escondiam. Ratos gostam de passar o dia escondidos. A descrição da doença como Peste Negra se dá pelos sintomas relatados por escritores da época. "Os sintomas incluem inchaço dos gânglios linfáticos, que podem ficar grandes como ovos de galinha, na virilha, na axila ou no pescoço. Eles podem ser sensíveis e quentes. Outros sintomas incluem febre, calafrios, dor de cabeça, fadiga e dores musculares."  Alguns historiadores apontam que 50% dos moradores da europa morreram em apenas 1 ano. Alguns dizem que esse número foi ainda maior. O que Cornwell relata é que muitas pessoas morreram, inclusive em sua história. Thomas escapa da peste. E isso é absolutamente possível. Nem todas as pessoas pegaram a peste e nem todos morreram, mesmo tendo sido infectados. Isso é mais um mistério da medicina. O médico do Papa da época pegou a peste e se curou. Fez muitos relatos e hoje é visto como um dos pilares da medicina moderna, por ter examinado e descrito o que viu em seus pacientes, bem como aquilo o que sentia enquanto doente e o que fez para manter-se vivo. Embora essa informação não seja compartilhada no livro, achei interessante colocá-la aqui, pois há um contraponto que esclarece uma questão de saúde pública. Em determinado trecho da história, Thomas mantém contato com leprosos, doença hoje chamada de Hanseníase, e que por milênios acreditava-se que o contágio se dava pelo toque no paciente, ou no uso de seus pertences. Enfim, os leprosos eram afastados do convívio social com outras pessoas e essa doença era a terrível peste do mundo. O abade Planchard, que se torna amigo de Thomas, confirma a ele que não é assim que se pega a doença, senão todos os padres, abades, freis, etc, que cuidam dos doentes (em uma abadia na qual Thomas e sua garota se encontraram em determinado período da história) estariam com a terrível doença. Hoje sabemos que a doença se espalha por gotículas de água no ar, contágio através do espirro e tosse, e que mesmo assim há chances de não contrair a doença, dependendo da saúde de cada indivíduo.
A informação é dada a Thomas quase no mesmo instante em que recebe a informação de que uma peste se espalha na europa e mata metade da população de cada localidade. A Peste Negra tomou o lugar da lepra como a Peste do Cavaleiro da Trevas, anunciada na Bíblia.
Outro ponto interessante e que permeia o período medieval é a religiosidade, o medo da igreja católica. Muitas crenças herdadas de culturas mortas andam lado a lado com a maneira cristã de viver. Cada comunidade tem as suas e as misturam com o jeito católico de ser, mas há um medo fortíssimo da igreja. O Papa é um líder poderoso, que comanda muitos fiéis. Quando a peste chega muitos acreditam que seja um castigo de Deus pela sua maneira infiel de viver e acabam buscando as igrejas, se instalando lá. A peste matava em poucas horas, mas tudo devido às péssimas condições de vida da época. Gosto muito de ler na minha casa, tomando um café, uma água, estando aquecido, enfim, tenho conforto. Não sou rico, longe disso, porém ao ler sobre esse período me sinto privilegiado. As condições eram terríveis, e mesmo não sabendo exatamente o que foi a Peste Negra, as mortes foram substancialmente multiplicadas por causa dessas condições. Na época vivia-se uma aglomeração de pessoas. Facilmente vilas eram criadas, fortificações surgiam. Lembrando que o sistema era feudal e que a maioria da população era paupérrima, devendo sua vida aos senhores, que faziam o que bem queriam, desde que pagassem impostos aos seus superiores, os reis. Com as pessoas aglutinadas em locais como a igreja, a morte corria como um corcel.
Thomas não faz mais parte dos crentes. Ainda que acredite em Deus e tenha sofrido muito por ter sido excomungado, ele segue sua vida de volta à Inglaterra e ao Graal, sem ter contraído a doença. Isso me faz pensar que o autor tenha colocado essa ideia de heresia para mostrar que ser católico não trará salvação terrena alguma, que todos somos mortais e que ninguém é superior aos demais por ter determinada conduta religiosa. Ao encontrar o que ele supôs ser o Cálice Santo, realiza um ritual de purificação para si e para sua amada, a garota salva da fogueira, tida como uma bruxa ou algo parecido, tornando-os cristãos novamente pelo poder da Taça. Após, segue um conselho de Planchard e atira o Cálice no mar, longe de tudo e todos, para que essa busca que matou tantas pessoas acabe. É o medo da igreja que faz com que Thomas deixe de ser um herege, mas é o fato de ter sido um herege que o deixou vivo, pois ele "foge da doença". Muitos nobres sobreviveram ao período crucial de 1 ano de peste por terem avançado seus postos para casas de veraneio no interior, longe das pessoas, da aglutinação de pessoas da urbe. Longe também da concentração de ratos e pulgas. O nosso protagonista fez quase o mesmo em seu retorno, andando pelo interior, afastado das pessoas. Como um herege fugindo da justiça dos homens, ele age como os leprosos, vivendo entre as sombras da civilização. Outro ponto visto no livro, quando ele se camuflou vestindo as roupas dos leprosos, sem ter medo de contrair a doença. É um recado do autor de que não importa sua inclinação religiosa, bom mesmo é ser bom com as pessoas. Embora houvesse uma guerra, cada povo envolvido queria o Graal por ele "ter o poder de acabar com a guerra". Seria mais fácil atingir esse objetivo se eles não guerreassem. O Graal não salvou ninguém da peste. Talvez a sua busca tenha salvado Thomas e seu pequeno grupo.
O livro termina com o fim do Graal. Ou pelo menos com o fim do Graal do padre Ralph, pai de Thomas. Há relatos de outros Cálices Santos pela Europa. Assim como outros artefatos santos, como espinhos da coroa de Cristo, pedaços da cruz, dentre outros. O mistério do Graal chega ao fim. Já o mistério da real origem da peste e toda a consequência de tantas mortes apenas começara.


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