Bernard Cornwell, o inoxidável, traz a história de uma Inglaterra em processo de formação através dos passos de Uhtred de Bebbanburg, Uhtred Uhtredson, Uhtred Ragnarson, ou ainda, Uhtred o Terrível. São anos e mais anos de uma trama que envolve a família real inglesa, mesmo antes de existir uma Inglaterra. Começando com o rei Alfredo e seu sonho de uma terra unificada entre os Anglos (embora também existissem os Jutos e aquela galera de Gales), Uhtred acompanha cada mudança de poder entre os reinos que um dia formariam um país. E mesmo sendo um pagão, um senhor de si mesmo, com sua fé está baseada nos preceitos dos deuses antigos como Odin e Thor, ele lutou contra as invasões de povos cujas crenças eram as mesmas que as suas. Tudo isso por lealdade. E interesse pessoal também. Mas o que acontece no décimo livro, o décimo capítulo dessa história repleta de batalhas, sangue e mortes?
O Livro 10 das Crônicas Saxônicas segue uma narrativa muito próxima dos demais livros. O autor apresenta um guerreiro cada vez mais velho e astuto em busca da retomada de seu castelo, Bebbanburg (Castelo de Bamburgo), na Nortúmbria, um dos reinos da época. O castelo ficava ao norte, divisando com o reino da Escócia. Nesse ponto Cornwell mostra que a paz entre os povos era uma utopia. Invasões de fronteiras, roubos de propriedades e confrontos eram constantes entre os moradores dos diferentes reinos. Fato.
Outro fato que se mantém na narrativa são as alfinetadas que Cornwell dá, através de Uhtred, na igreja católica, que apoiava as constantes lutas entre os cristãos, mas pregava a paz, que buscava o perdão entre os irmãos, mas que desconsiderava que irmãos também eram todos e não apenas os poucos escolhidos, que pregava a humildade, mas se regozijava em prata e outro sempre que possível, requisitando terras e recursos para a construção de igrejas, porém apoiando a destruição de igrejas dos escoceses, bem como desejando sua morte em confrontos, como se não fossem crentes ao mesmo Deus. O autor mostra um grande conhecimento da igreja católica da época e revela através dos diálogos de Uhtred com padres seu pensamento sobre a religião, sempre com uma pitada de humor do pagão odiado por bispos e demais religiosos.
Sendo o décimo livro fica complicado encontrar surpresas no decorrer do enredo. Uma hora ou outra, se o leitor acompanha desde o livro 1, Uhtred, que foi expulso de Bebbanburg, retomará a fortaleza de sua infância. E é nisso que se baseia esse livro, nas artimanhas que o guerreiro cria para derrotar seu primo, senhor da fortificação da família Uhtred.
Para tanto, ele precisa sair do cerco deixado no livro 9. É convencido a se retirar por forças contratadas por Uhtred Usurpador (essa alcunha eu quis criar, não lembro se está no livro, mas é que usurpador é uma palavra muito contextual para a situação). Nisso ele se volta a seu genro, tem conversas com o rei Eduardo, com sua eterna paixão Aethelflaed, despedindo-se para sempre dela, e cria um embuste de que está de partida para a Frísia, posiciona o seu pequeno exército em direção ao norte, deixa acertado com seu genro onde ele deverá levar seus guerreiros e apostando sempre na vitória,
Eu continuo lendo porque quero ver o fim dessa história. Ela é contada por um Uhtred velho. Há breves relatos do futuro após essa guerra toda. Ele se dirige a seus netos. Sabemos, previamente então, que em algum ponto da vida, seus filhos têm filhos, que ele deixa de guerrear e está estabelecido em algum lugar. A maior parte desse livro é ficção, sem conexão com a história ocorrida na época. Bernard Cornwell disse que não tem previsão para o último livro da saga. A obra se tornou um caça-níquel. Se eu gosto? Sim. As batalhas são muito bem descritas. Nesse livro Uhtred usa muitos recursos. Barcos, cavalos, lanças, escudos, espadas. Faz incursões à floresta, se esconde, faz mil e uma estratégias para superar seus adversários. Mas tudo já foi visto. Tudo mesmo. Nada de novo. É ótimo ler. Sério. Mas está chato esperar tanto para saber quando Uhtred pendura as chuteiras, ou no caso do guerreiro pagão, as espadas, escudos, seax, machados ou qualquer outra coisa que possa ferir.
Dedo desproporcional em relação à capa, pois eu quis assim |